Carta à uma pequena que chegou mudando o meu mundo.

Vou te contar, minha pequena, a nossa história. É um pouquinho longa, mas, cada parte será importante pra entender o significado da sua chegada na vida da mamãe e a força que nós mulheres temos.

Tudo começou 7 anos atrás, quando mamãe ganhou o seu irmãozinho mais velho, o Bernardo. Mamãe não entendia muito sobre as questões de parto, apenas sabia que queria um parto normal. Depois de algumas horas em trabalho de parto e uma série de intervenções (que hoje tem nome e se chamam violências obstétricas) o Bê precisou chegar em uma cesariana. Na ocasião achávamos que tinha sido realmente o melhor. Era sábado de carnaval e ao chegar em casa me sentia muito triste. Não lembro de tantas coisas destes primeiros dias, acho que nossa mente é sábia e faz a gente esquecer de muita coisa para nos “proteger”. Foram dias muito difíceis. O sonho da mamãe era ter um bebê, mas, não imaginava que seria daquele jeito. Muita dor na cirurgia da cesárea (que evolui pra uma infecção), mamas muito cheias, uma tristeza profunda… eu que achava que seria tudo tão lindo, foram bem frustrantes aquelas semanas. Mas, tudo passou. Passa, é o que sempre falamos uma mamãe para a outra, e é verdade. Tanto passa que toda essa dor vai se transformando em um amor grandioso por vocês. Mas, aquela experiência foi marcante demais para a mamãe não fazer nada. Comecei a estudar e vi que não precisava ter sido daquela maneira. Eu não precisava ter passado por aquilo. E que, eu precisava fazer algo pra que outras mulheres não vivenciassem aquilo. Isso se chama resiliência, sabia?! E é um sentimento que nós mulheres praticamos muito. Depois da chegada do Bê mamãe passou a trabalhar especialmente com outras mulheres na chegada de seus bebês, foi quando surgiu a Mame Bem.

Depois de pouco mais de 2 anos mamãe descobriu que estava gravida do Pedro. Uma felicidade enorme. Mamãe desta vez buscou outra equipe, tinha doula, enfermeira obstetra e bem mais conhecimento técnico sobre a chegada de um bebê. Mas, conhecimento técnico sem dúvida é apenas um pedacinho de todo o processo. Hoje mamãe reavalia e vê que não estava plenamente preparada, de corpo e alma, para enfrentar a tentativa de um parto após a primeira cesariana. Mamãe então entrou em trabalho de parto, mas, com bolsa rota, cesariana prévia e não evolução das contrações, precisei de outra cesariana. Foi uma chegada diferente, mais consciente, mas, com aquela sensação no coração que faltava algo.

Eu e seu papai sempre quisemos uma casa cheia. Pensamos muito e resolvemos que teríamos mais um filho. Após alguns meses de tentativas mamãe recebeu um resultado positivo do teste de gravidez. Seu papai recebeu a surpresa no dia dos pais. Toda a família era só alegria. Os primeiros meses de gravidez não foram fáceis. Mamãe teve muito enjoo, sangramentos e no fundo um medo bem grande de te perder (pois a mamãe já havia vivido isso lá atrás). Pedia a papai do céu todos os dias que te protegesse. E Ele fez isso muito bem. Passada essa fase inicial tivemos a notícia que seria você, uma menina, nossa Helena, que estaria a caminho. Mamãe sempre achou que seria mãe só de menino, e já imaginou que teria que aprender muito com você. E como tenho aprendido né, minha pequena. Agora era outro desafio, correr atrás do tão sonhado parto. Já ficara mais difícil, agora já eram duas cesarianas previas. Muita gente achando uma bobagem isso de arriscar querer um parto, se tanto fazia a maneira de chegada do bebê. Mas, para a mamãe era algo muito importante. E comecei a me preparar muito para vivermos este momento. Me preparar física e mentalmente.

Primeiro, foi ter a certeza que eu faria tudo que estivesse ao meu alcance, mas, entenderia também que caso precisasse de uma nova cesariana, desta vez era porque realmente seria necessária. E não porque roubariam da mamãe e de você a oportunidade de viver isso. Procurei uma equipe que também acreditava no meu sonho e que expôs todos os riscos e benefícios de um parto vaginal e uma nova cesariana. E fomos assim, exercícios físicos, acompanhamento com fisioterapia, mudança na alimentação, cursos de hipnose. Em um dos cursos de casal grávido que mamãe e papai fizeram (papai sempre tentava escapar, ele achava que não podia fazer muito, mas, eu sabia que precisaria muito dele no dia, então sempre dava um jeito de arrasta-lo) eu escutei do papai que “daquela vez daria certo”. Isso me deixou ainda mais forte, feliz e focada do que já estava.

Tudo corria super bem na sua espera, mamãe muito feliz em poder recebe-la, até que chegou no nosso mundo um tal de coronavirus. Filha, que tempos sombrios. Quando crescer vou te contar tudo. Nunca imaginaríamos passar por tudo isso. As pessoas não podiam sair de casa, fecharam as escolas, lojas, empresas, tudo. Um vírus que tem nos assustado muito, mudado nossas vidas. Com esta pandemia todos os dias as noticias eram novas. A angustia em saber se as gravidas e seus bebês faziam parte do grupo de risco, mudaram muito da assistência nos hospitais, foram proibidas fotografas nas salas de parto, depois proibiram a entrada da doula, não podia visitas, enfim, quanta mudança. Com tudo isso e “presa” em casa com seus irmãozinhos era pra ter batido um desespero, mas, não, mamãe foi tomada por uma tranquilidade, uma paz, que não sei de onde vinha. Estava muito feliz e segura esperando a sua chegada.

Algumas semanas antes de você nascer a tia Lira fez uma musica linda para embalar a sua vinda. Mamãe a escutava todos os dias, juntamente com os áudios de afirmações positivas e visualização de como seria a sua chegada. A música era repleta de significado para a mamãe, olha que linda:

“Recomeçar, uma nova vida com um novo olhar,

Contar cada segundo pra você chegar, nascer de novo.

Sentir amor, mesmo que me falte força e venha a dor,

As vezes o que dói é um bem revelador,

a dor do espinho é que protege a flor.

Pra revelar o sol que a chuva escondeu,

te dar à luz no dia em que é meu e seu.

Pra revelar o sol que a chuva escondeu,

te dar à luz no dia em que é seu… Helena.”

Mamãe não pôde ter o chá de bençãos que havia sido planejado bem antes da sua chegada, mas, recebeu tanta mensagem linda, tanta energia positiva de mulheres deste país inteirinho, que aqueceu o coração. E sabia que você já podia vir, eu estava preparada para nosso momento.

Com 39 semanas e 1 dia, uma quarta feira, mamãe deitou para dormir eram 22h. Neste momento deu uma vontade de ir ao banheiro e ao me levantar da cama senti um liquido escorrer entre as pernas. Já conhecia aquela história pois foi o que aconteceu com o Pedro seu irmão. Era a bolsa que havia rompido. Mamãe na hora ficou receosa pois não estava ainda sentindo contrações. O líquido estava claro, sabia que não tinha motivos para preocupações. Contei ao seu papai que já custou a dormir naquela noite. Conversei com minha doula, a Lena e também com a Adrinez, minha enfermeira obstetra. Comuniquei o ocorrido e disse que iria deitar e tentar dormir, pois possivelmente o dia seguinte seria mais agitado e precisaria de muita energia. Deitei e fiquei a noite toda cochilando e escutando a sua música e os áudios de preparação para o parto. Vinham algumas contrações, mas, espaçadas e irregulares. Quando amanheceu o dia

conversei também com a Quesia minha obstetra e decidimos aguardar o inicio do trabalho de parto, enquanto éramos monitoradas.

 

 

Vou te contar uma coisa minha pequena. Quando o dia amanheceu e a mamãe olhou para o céu estava um dia chuvoso, cinza, sem sol. No fundo do meu coração eu sabia que desta maneira você não iria chegar. Cheguei até a ficar triste por alguns instantes, porque não poderia ficar tempo demais de bolsa rota, pois a possibilidade de infecção aumentaria, o trabalho de parto precisaria engrenar, mas, eu sei que a sua vinda viria “revelar o sol que a chuva escondeu” como sua musica já dizia. Pela manhã vieram algumas contrações, depois do almoço também, mas, foi as 15h, que abriu um sol lindo no céu. E junto com os raios de sol uma contração atrás da outra anunciaria que a sua chegada estava próxima. Neste momento entrei em contato com minha doula e minha enfermeira obstetra que se prepararam para vir pra nossa casa. Nosso plano era ficar em casa o máximo possível, pois, no hospital a Lena não poderia entrar. Quando Lena chegou as contrações já estavam intensas. Suas mãos firmes ajudavam a vencer cada uma daquelas ondas que vinha. Minha sinergia da aromaterapia também ajudou muito durante todo o trabalho de parto. Pouco tempo depois, por volta das 16h chegou a Adrinez, a enfermeira obstetra. Ela auscultou você, viu que estava tudo bem e também me deu conforto e muita paz. A Andressa da Felice também chegou um tempo depois. Super discreta, um amor de pessoa, fez eternizar toda nossa história. Quando minhas sensações foram mudando, as contrações se aproximando cada vez mais, acho que já era umas 17:30h pedi que Adrinez avaliasse como estava a dilatação, e pela primeira vez em toda gestação recebi um toque. Todos ansiosos pra saber e ela radiante disse que já estávamos com 7cm de dilatação. Uma alegria. Seu papai já estava morrendo de medo de você nascer em casa e seus irmãozinhos queriam mesmo que você chegasse por aqui. Começamos a nos arrumar para ir pra maternidade, saímos de casa pouco antes das 18h. Papai e Adrinez foram na frente do carro e eu e Lena no banco de trás. Lembro direitinho de ouvir, no intervalo das contrações, as 18h em ponto, a oração dos anjos e agradecer à Nossa Senhora pela sua vinda. Eu, a todo momento, falava com a Lena pra criarmos uma maneira de camuflarmos a entrada dela na maternidade, pois não saberia como ia aguentar sem aquelas massagens. Chegamos rápido, pois em tempos de Corona não tinha trânsito. Na porta da maternidade me despedi com muito pesar da minha doula, mas, Adrinez pôde entrar comigo, o que foi maravilhoso. E minha obstetra Quesia também me esperava logo na entrada. Cheguei e fui direto para o chuveiro enquanto enchiam a banheira. Neste momento já estava na partolandia, dava cada grito, que todos na maternidade ouviam. Entrei para a banheira e ali ficamos, eu, você, papai segurando firmemente as mãos da mamãe e a Adrinez, dando todo suporte com massagens, informação e muito acalento e segurança. Dra Quesia e Dra Ana Lunardi sempre acompanhando e monitorando por perto, seguras que tudo corria bem. Com um tempo na banheira as dores começaram a mudar, as contrações começaram a espaçar e a vontade de fazer força passou a tomar conta. Era o período expulsivo. No intervalo das contrações eu bebia água, respirava e descansava. A postura de cócoras era a que me dava mais conforto durante as contrações, que eram intensas, doía, mas, anunciavam a sua chegada. Em um dos intervalos resolvi colocar a mão e ver se você se aproximava. Foi quando apalpei a sua cabecinha, toda cabeluda, cada vez mais perto de mim. Aquilo me encheu de força e garra, estava muito perto, nós íamos conseguir. Com mais uma ou duas contrações Adrinez anunciou: ela já está aqui, foi quando me virei toquei na sua cabecinha já do lado de fora, e com mais uma contração saiu o restante do seu corpinho. Neste momento a vi de olhinhos abertos ainda debaixo d´água. A peguei e a trouxe para junto do meu corpo, no abraço mais esperado e caloroso que já pude sentir. Senti o seu cheirinho e apreciei o quanto era linda. Nós conseguimos minha pequena, nós vencemos! Lutamos muito, mas, vencemos um sistema inteirinho, que faz muitas mulheres acreditarem que não dão conta, que nosso corpo não consegue. Vencemos e reescrevemos a nossa história, certa de que estávamos representando outras tantas histórias de mulheres que tiveram seus partos roubados e seus sonhos desacreditados. Fizemos isso por muitas.

Obrigada minha pequena por chegar mudando o meu mundo, obrigada por escrever junto com a mamãe este novo recomeço.